Descomplicando Afasia #19

Bem-vindos à edição de setembro da nossa newsletter sobre afasia!

Vamos discutir com vocês os mitos e estigmas que cercam as dificuldades de fala e de compreensão relacionadas à afasia.

Com histórias reais de pessoas que desafiam o capacitismo e o preconceito, buscamos um pouco de leveza e esclarecimento para lidar com essas questões tão difíceis.

Entender o que é mito e o que é fato em relação à afasia nos ajuda a descomplicara afasia e a conviver melhor com as pessoas com afasia. Então, vamos começar com uma primeira informação muito importante sobre a diferença entre Afasia e Deficiência Intelectual.

Afasia é uma condição que afeta tanto a linguagem oral quanto a escrita – dificuldades de fala, para compreender a fala dos outros, dificuldades para escrever e ler – causada por uma lesão cerebral adquirida após um AVC, traumatismo cranioencefálico ou tumor cerebral. A afasia não afeta a inteligência.

Deficiência Intelectual – é caracterizada por distúrbios do neurodesenvolvimento que aparecem, geralmente, antes da idade escolar, e se caracterizam por dificuldades na aquisição, retenção ou o uso de habilidades que envolvem a inteligência (a função intelectual).

Portanto, a afasia não é deficiência intelectual. A afasia não afeta a inteligência.

Muitas vezes, as dificuldades de linguagem que caracterizam a Afasia são erroneamente associadas a Deficiência Intelectual. É crucial entender que a afasia, alteração de linguagem causada por uma lesão cerebral adquirida, não afeta a inteligência de uma pessoa. Pessoas com afasia sabem o que querem dizer, mas às vezes têm dificuldade de encontrar as palavras que querem falar ou escrever, por exemplo. A afasia é uma condição que impacta a capacidade de comunicação, mas não compromete o conhecimento ou a inteligência.

Orlando: um poliglota que falava seis línguas e ficou com afasia após um AVC. Mesmo com a Afasia e apesar das dificuldades na comunicação verbal, sua inteligência e conhecimento permaneceram intactos . Ele detinha o conhecimento de todas as línguas que dominava, porém sua habilidade em se comunicar nessas diversas línguas foi afetada.

Milla: Eu entendo tudo na cabeça, eu entendo! Perfeitamente! A boca, não sai de jeito nenhum! Impressionante! Ponto!

Deixa que eu te explico
Milla Silva
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Portal da Afasia

Existem pessoas que têm afasia, mas falam. Isso é possível? Sim, porque a afasia não se caracteriza apenas pelo não falar. Embora a maioria das pessoas acredite que a afasia é sempre e apenas o não falar ou a dificuldade de encontrar as palavras ou de produzir enunciados, o que acontece com as pessoas com afasias não-fluentes, existem pessoas que têm uma afasia fluente, também conhecida como afasia de compreensão.

A pessoa com afasia de compreensão pode ter uma fala que é fluente, mas nem sempre as palavras e os enunciados produzidos por ela vão fazer sentido para o interlocutor. A pessoa com afasia de compreensão pode não perceber que usou uma palavra ou uma frase sem sentido e, muitas vezes, poderá ter dificuldades para compreender o que o interlocutor falou ou perguntou.

Afasia Fluente
Arthur, o que é afasia para você?
–
Portal da Afasia

Afasia Não-Fluente
Deixa que eu te explico – Marisol Martinez
–
Portal da Afasia

Se as pessoas com afasia têm dificuldade para falar, para encontrar a palavra que querem dizer, por que elas não escrevem, desenham ou fazem mímica e gestos para se comunicar?

Embora muitas pessoas, apesar da afasia, consigam escrever, desenhar, apontar, fazer mímica e gestos para se comunicar, muitas outras não conseguem e podem ter muita dificuldade mesmo para apontar ou fazer gestos de “sim” e “não”. Por que isso acontece?

Porque a afasia pode comprometer não só a linguagem oral, mas também a linguagem escrita e a linguagem gestual. A pessoa com afasia tem seu conhecimento sobre a escrita, sabe o que quer escrever, sabe o que quer desenhar, sabe o que quer significar através do gesto ou da mímica, mas pode não conseguir construir o sentido do que quer dizer e compartilhar essas informações com o interlocutor através da escrita, do desenho ou do gesto.

Mesmo pessoas com afasia às vezes podem se referir a sua própria dificuldade como sendo uma questão de memória: “esqueci a palavra” ou “não lembro apalavra”. A pessoa com afasia pode ter dificuldades para evocar palavras, nomes, informações, situações, mas isso não é uma questão de memória, de lembrar ou esquecer. A afasia pode se caracterizar por dificuldade para encontrar palavras, para dizer seu próprio nome ou o nome de um objeto, mas a pessoa com afasia sabe o que quer falar, ela não esqueceu o nome ou a palavra, a memória dela está preservada, porém não o acesso linguístico àquela palavra.

Olhe o que a Camila Fabro – Desmiolada – disse e escreveu sobre esta questão em sua publicação Caça-Palavra:

“Sabe quando a gente está falando e no meio da frase nos esquecemos da próxima palavra? Algo semelhante acontece com a pessoa com afasia ao tentar se comunicar.

Só que ela não se esquece da palavra em si (é muito mais complexo que isso),ela não consegue pronunciá-la. O tempo todo, ela precisa “caçar palavras” dentro de seu cérebro machucado.

Enquanto alguns procuram pela fonética, outros tentam encontrar o significado. Toda essa busca é desgastante e exige muita dedicação e paciência”.

Acompanhe as publicações da Camila Fabro
No Facebook – Desmiolada – e no Instagram – @camiladesmiolada.

Nem toda pessoa com afasia tem dificuldades motoras. A pessoa com afasia pode não apresentar sequelas motoras como a hemiplegia – paralisia ou redução do movimento de um dos lados do corpo – ou a espasticidade, por exemplo, que são sequelas visíveis.

As alterações de linguagem e a dificuldade de comunicação que caracterizam a afasia são invisíveis ou ocultas para o interlocutor se a pessoa com afasia não tem alterações motoras.

A pessoa que tem afasia, mas que não tem alterações motoras visíveis, muitas vezes não é reconhecida ou considerada Pessoa com Deficiência: até o momento atual, a Lei Brasileira de Inclusão considera Pessoa com Deficiência aquela que tem impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial. Ou seja, a pessoa com afasia tem um impedimento de natureza linguística e de comunicação que ainda não é contemplado pela legislação. E essa invisibilidade da afasia vai impactar diretamente na legislação, nos direitos, nos benefícios e na inclusão social e laboral da pessoa com afasia.

Afasia
Hamilton, o que é afasia para você?
–
Portal da Afasia

Julia

Julia teve um AVC quando estava indo para o 4º ano de Medicina. A afasia trouxe dificuldades de fala, de escrita e de leitura. Julia se formou e atualmente estuda para os exames de Residência Médica em Radiologia. À cada Edital, ela precisa solicitar um ledor – pessoa que lê em voz alta as questões e as alternativas da prova – mas, para justificar essa necessidade, não se enquadra em nenhuma das opções elencadas no Edital que poderiam explicar a presença do ledor – deficiência sensorial, deficiência mental, deficiência intelectual. Julia acaba assinalando a opção “deficiência motora” (ela tem alteração motora na mão direita e aprendeu a escrever com a mão esquerda após o AVC) que, por si só, não explica a necessidade do ledor. E torce para que o ledor esteja lá na hora da prova!

Eliana

Eliana, professora em uma escola bilingue, teve um AVC. Ficou com afasia, mas não teve qualquer sequela motora. Durante a perícia médica do INSS – exame obrigatório para atestar a capacidade ou a incapacidade temporária ou permanente de retorno ao trabalho – Eliana viu o benefício a que tinha direito sendo negado pelo perito médico que, mesmo diante da argumentação de seu marido de que ela era professora e não conseguiria dar aulas, atestou que ela tinha plena capacidade motora para voltar ao trabalho. Eliana retornou ao trabalho em uma função de correção de lição de casa e recebendo menos do que 1/3 de seu salário ou do benefício a que tinha direito por lei.

Bia

Bia teve um AVC ainda jovem e ficou com afasia e sem qualquer sequela motora. Uma vez, ao entrar no banco do qual era cliente para resolver um problema na conta, preferiu entrar na fila preferencial por acreditar que a atendente preferencial teria mais disponibilidade, tempo e empatia para compreender sua fala pouco fluente, de poucas palavras, sem verbos ou conectivos. Uma senhora, ao entrar na fila preferencial e ver aquela jovem aparentemente sem nenhum problema, começou a questionar a presença de Bia na fila: “Você não está grávida, não é, não tem o direito de estar nesta fila”. Bia decidiu sair da fila sem discutir, porque naquele momento não conseguiria explicar o que é Afasia.

#Saber #Entender #Conviver.

Chegamos ao final dessa edição.

Nós, do Portal da Afasia, esperamos ter esclarecido pontos que ainda estavam nebulosos com relação à afasia.

Quanto mais conhecimento e informação, melhor será o dia a dia das pessoas com afasia e de seus amigos e familiares. Até a próxima!